O livro Correspondência Goethe /
Schiller, (editora Hedra, 2010, 248 páginas) reúne, como indica o título, as cartas
trocadas entre Johann Wolfgang von Goethe e Johann Cristoph Friedrich von
Schiller, no período que compreende os anos de 1794 a 1803. Com tradução para o
português por Claudia Cavalcanti, a correspondência trocada entre as duas
importantes figuras do pensamento e da arte alemães se desenvolve em torno de
temáticas de cunho filosófico e estético, tendo em grande parte como objeto de
análise crítica as obras dos próprios autores das cartas.
Assim, a leitura das cartas selecionadas no
livro permite um trajeto pelo momento de concepção de algumas das mais
marcantes criações de Goethe e de Schiller. Acompanhamos, por exemplo, os
esforços e cuidados acerca da finalização do romance de formação goethiano Os
anos de aprendizado de Wilhelm Meister, quando Schiller não poupa esforços e
demorada atenção para dissertar acerca dos acertos já alcançados pela narrativa
de Goethe, ou ainda, sobre os pontos que podem ser mais trabalhados pelo autor.
Do mesmo modo, observamos o claro incentivo à criação entre ambos os autores
das cartas, principalmente quando Goethe felicita Schiller pelo seu recente retorno
à escrita de seu drama Wallenstein, estimulando-o a prosseguir escrevendo;
como também quando Schiller incentiva Goethe a voltar a trabalhar em seu
Fausto obra que, como sabemos, é de fundamental importância na bibliografia
deste último. Desse modo, a correspondência vai se desdobrando em certo tom de
aconselhamento amigável e sadio, que parece visar a um único fim: o aperfeiçoamento
dos traços estéticos das obras de seus respectivos autores, em uma comunhão de
pensamento que também as sustente.
A cada nova reflexão trazida por um dos
autores, também é possível notar e vivenciar as preocupações acerca das
questões concernentes às propriedades específicas de cada gênero literário. Em
especial, na Correspondência Goethe / Schiller, há de se notar a ênfase
dada por Goethe e Schiller à tragédia e à epopeia. Nesse sentido, a referência
às obras da Antiguidade é recorrente ao longo das cartas trocadas, como modo de
nortear o que há de fundamental em cada um dos referidos gêneros literários.
As tragédias gregas (em especial as de
Sófocles e de Eurípedes), e a epopeia homérica, desse modo, são tomadas como
fundamento de onde deve partir o pensamento acerca das particularidades de cada
gênero. Seguindo por uma análise de pontos significativos da estética tanto da
tragédia quanto da epopeia, Goethe e Schiller tentam observar o que, em cada um
dos gêneros, pode ser visto como ponto de contato entre ambos. A abordagem dos
dois autores, por exemplo, tende a caminhar segundo a observação de questões
que os mesmos não encontram na Poética de Aristóteles, o que possibilita uma
nova vivência e apreensão da temática segundo as cartas que vão sendo trocadas.
Nessa distinta observação, Goethe e Schiller
atentam para a presença de um possível ponto de contato entre tragédia e
epopeia. Assim, ao longo de diversas cartas nas quais os autores seguem
dissertando, começa a se esboçar o prelúdio de um texto de teor ensaístico.
Ainda no tom de uma parceria de ideias e de abertura
para críticas, Goethe sugere, em uma de suas cartas, que todas as reflexões
acerca das questões dos gêneros literários até ali trazidas ao pensamento se
transformem em um ensaio particular. E é assim que na correspondência trocada
tem início o ensaio que veio a se tornar conhecido sob o título de Sobre a
literatura épica e dramática. Tal ensaio, assinado tanto por Goethe quanto por
Schiller, vem como um bônus da edição dessas cartas pela editora Hedra, logo ao
final do livro, sendo um interessante Apêndice.
Além disso, a leitura do livro
Correspondência Goethe / Schiller nos permite a aproximação a um universo
que, muitas vezes, hoje, soa quase como que imaginário. Isto é, ao longo das
cartas há a citação a diversas personalidades marcantes da época, fazendo-se
referência às relações travadas com as mesmas, (personalidades tais como
Friedrich Hölderlin, Johann Gottlieb Ficthe, Mme. de Staël, August W. Schlegel,
entre outros). Tais citações apontam para a vivência e a troca de considerações
e pensamentos existentes entre esses indivíduos que, ainda hoje, se perpetuam
como personalidades da cultura, indicando, dessa forma, uma frutífera atividade
criacional e crítica àquele tempo.
O livro Correspondência Goethe /
Schiller, assim, é uma ótima leitura para aqueles que se interessam pelo
universo da literatura alemã, ou, de um modo mais geral, para aqueles que se
preocupam com as problematizações estéticas da arte literária, sem
necessariamente vincular-se a uma nacionalidade. Desse modo, essa leitura, que
podemos chamar de universal, vinda nesta primeira edição da Hedra em um formato
de bolso bastante prático, é uma excelente opção para os amantes da literatura,
em geral.
Bruna Maria Campos Leitão é mestranda em
Literatura Portuguesa, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
[revista
dEsEnrEdoS
- ISSN 2175-3903 - ano III - número 8 - teresina - piauí - janeiro fevereiro
março de 2011]